João
Guilherme C. Ribeiro, MI
Jogar
a culpa nos outros é mais velho do que o mundo.
Com pessoas, nações, instituições... ou Potências maçônicas, o processo
é exatamente o mesmo. Não, não fique surpreso.
Exemplo
disto está na existência das Lojas Distritais inglesas no Brasil, sempre
atribuída, na xenofobia natural inerente ao complexo cucaracha, ao
“imperialismo inglês”.
Só
que a Verdade tem um hábito incômodo de se infiltrar por entre as camadas de
dissimulação e distorção. Não tem jeito.
Em junho de 2014, Jorge Pessôa e eu
visitamos a Biblioteca da United Grand Lodge of England. O texto original do tratado de 1912 entre a GLUI
e o GOB
era desconhecido entre nós e ele queria conferir a tradução. Mrs. Susan
Snell, Archivist and Records Manager da Library
and Museum of Freemasonry, nos recebeu com imensa cordialidade e nos
apresentou muito mais do que esperávamos.
Pudemos examinar não apenas a versão do tratado, mas uma documentação
inédita, algumas confidenciais, que nos surpreenderam. A presença das Lojas Distritais inglesas
no território brasileiro não tem nada a ver com expansionismo ou
imperialismo. Tem, isto sim, a ver com
nossas próprias mazelas.
Escreverei sobre isto mais extensamente depois, mas quero apenas enfatizar meu ponto para chegar a algo que ocorre neste momento: tudo tem a ver com nossas próprias mazelas!
Acabou
de encerrar-se mais uma reunião da Confederación de la Masonería Interamericana,
desta feita em Madrid. Houve troca de
presidentes e muitos arranjos de bastidores, como sempre ocorre. Porém, mais importante, na minha opinião,
foram duas cartas endereçadas aos participantes.
Carta do Observador da United Grand Lodge of England
A
primeira delas, do Grande Chanceler da United Grand Lodge of England, Irm. Derek Dinsmore, esclarece inequivocamente
a posição de sua Potência com relação ao reconhecimento de outras. “Um dos princípios fundamentais das relações
maçônicas internacionais é que cada Grande Loja é soberana e independente, e
nós, pela longa experiência, estamos conscientes da linha tênue entre
aconselhar e, na verdade, interferir nos assuntos internos de uma Grande Loja
irmã”, frisou ele.
Isto
nos diz, claramente, que a culpa do reconhecimento – ou não – entre
Potências de outro país nada tem a ver com a Grande Loja Unida da Inglaterra.
“A regularidade
é algo absoluto: uma Grande Loja ou um Grande Oriente ou é regular ou não. Não há meio termo neste assunto. Na perspectiva inglesa, se uma Grande Loja ou
Grande Oriente não preenche todos os nossos Princípios Básicos para o Reconhecimento
de Grandes Lojas, não pode ser reconhecida como regular.”
Então,
se uma Potência preenche os oito requisitos, ela é regular. Pode não ser ainda reconhecida, mas é
regular.
“Onde diferimos
de algumas Grandes Lojas regulares é que nossos princípios não incluem a
jurisdição territorial exclusiva como um princípio de regularidade. [...] Para nós, soberania é uma Grande Loja ter
autoridade única sobre seus membros e Lojas, onde quer que essas Lojas possam
localizar-se geograficamente. Soberania
não pode ser dividida. Território, por
acordo mútuo, pode ser compartilhado, e compartilhar território de modo algum
diminui a soberania das Grandes Lojas envolvidas.”
Ora,
a frase chave, “por acordo mútuo”, claramente mostra que o
reconhecimento entre Potências regulares e soberanas depende apenas desse
acordo. Isto demonstra, então, que atribuir
à UGLE
o reconhecimento pelo GOB das demais Grandes Lojas da CMSB e
dos Grandes
Orientes da COMAB é uma mentira crassa. O problema tem que ser jogado na conta dos
interesses paroquiais, das discórdias, da ânsia de poder, das vaidades e outras
causas menos publicáveis. A UGLE
não tem nada com isto! Querem a
prova? Então, vejam o que ele diz a
seguir: “Num território onde nós já
reconheçamos uma Grande Loja, se houver uma segunda Grande Loja que se enquadre
em nossos Princípios Básicos para o Reconhecimento de Grandes Lojas, antes de
estender a ela nosso reconhecimento, perguntaríamos à Grande Loja reconhecida,
como cortesia, se ela teria alguma objeção a que o fizéssemos. Esperamos, por causa do grande cuidado que
temos em avaliar a regularidade de uma Grande Loja, que o acordo seja
aceito. Não insistimos que as duas
Grandes Lojas se reconheçam, mas simplesmente que compartilhem o território.”
Mais
claro que isto, impossível! Jogar a
culpa das duas pranchas do SGMG do GOB, que hostiliza as Grandes
Lojas “não reconhecidas” e os Grandes Orientes da COMAB, nas
costas da United Grand Lodge of England é aproveitar-se da ignorância dos
Maçons acerca das relações internacionais.
Acho que não ficaria de todo mal chamar essa atitude de “estelionato
maçônico”.
O
Irm. Derek ainda alerta: Vivemos em um
tempo em que os Maçons regulares em todo o mundo deveríamos estar unidos em um
propósito comum: brecar o crescimento, muito facilitado pela internet, da
maçonaria irregular. Durante os
problemas recentes na França, nós na Inglaterra, nos espantamos ao descobrir
que há cerca de oitenta grupos alegando serem Grandes Lojas. [...] Muitas
dessas assim chamadas Grandes Lojas são pequenos grupos com websites atraentes
– e aí reside o perigo. Estamos buscando
atrair jovens bem formados para que venham a ser o futuro de nossas Grandes
Lojas. Na Inglaterra, chamamos os abaixo
de quarenta anos de geração Google. De
eles desejam alguma informação sobre o que quer que seja, eles ligam seus
laptops, entram no Google ou outro navegador e veem o que aparece. O perigo é que eles acessem em um desses
sites caprichados e sejam levados à maçonaria irregular, para depois descobrir
que foram enganados e, desta forma, perdidos para a Maçonaria regular.”
E,
finalmente, nos exorta: “Seguramente,
melhor do que levantar barreiras arbitrárias ou desnecessárias ao
reconhecimento de Grandes Lojas que sejam verdadeiramente regulares em seus
etos* e práticas, deveríamos acolhê-los em nosso círculo para que se juntassem
a nós na batalha contra a irregularidade.”
Este final nos mostra como as citadas pranchas do GOB estão na contramão do que interessa à Maçonaria Universal. São mais do que intriga, mais do que mentira, mais do que prejudiciais à Ordem. São um exemplo crasso de interesses pessoais colocados acima dos princípios de fraternidade.
Carta do Past Secretário da World Conference of Regular
Masonic Grand Lodges
A mesma visão é compartilhada pelo Irm. Thomas W. Jackson, que é e Presidente
Honorário Ad Vitam da prestigiosa Conferência Mundial das Grandes Lojas
Maçônicas Regulares. Imaginem a
experiência deste Irmão, um dos pilares do reconhecimento do GOB
pelas Grandes Lojas americanas em 1987.
Assim ele começa: “Nunca é
intenção minha ofender qualquer organização ou Irmão nem é meu intento
agora. É simplesmente minha avaliação,
depois de observar por muitos anos a Maçonaria do Brasil, e a expressão de meus
cuidados para com ela. Fiquei muito
impressionado com a compatibilidade e amizade entre Irmãos desde que vim ao
Brasil 16 anos atrás. Ainda assim, mesmo com essa expressão de fraternidade,
existe uma inabilidade ou falta de desejo de juntarem-se em unidade para o
benefício da Maçonaria Brasileira e para o benefício da sociedade
brasileira. Para o resto do mundo, a
Maçonaria do Brasil é uma forma confusa do Simbolismo.”
Ele
cita um fato que eu desconhecia: “durante
a IV World Conference realizada em
São Paulo, os Grão-Mestres das Grandes
Lojas Estaduais (CMSB) e do Grande Oriente do Brasil (GOB) assinaram um acordo em que
garantiriam o reconhecimento mútuo entre eles.
Eu não estava ciente, até seis ou sete anos atrás, de que isto tinha
acontecido somente em uma escala limitada.”
Quer dizer, simplesmente, as promessas desse acordo foram ignoradas ou convenientemente esquecidas...
O
Irm. Tom Jackson é bem taxativo: “Quando tomei ciência de que os acordos de
reconhecimento mútuo não ocorreram entre o Grande
Oriente do Brasil e as Grandes Lojas
estaduais, fiquei ciente da existência dos Grandes Orientes Independentes (COMAB)
no Brasil.
Da mesma forma
que, na América do Norte, nós consideramos as Grandes Lojas como sendo regulares, devemos também considerar os Grandes Orientes Independentes como
regulares, uma vez que foram consagrados da mesma forma de conformidade com o
protocolo maçônico. Sempre fiquei
confuso pelo reconhecimento de algumas Grandes Lojas Estaduais, mas não de
todas. Ou todas ou nenhuma deve ser
considerada regular. [...] Nos últimos 16 anos, tenho visitado Lojas e
Grandes Lojas no Brasil em que Irmãos das três “formas” de Maçonaria (GOB, CMSB, COMAB) estavam
presentes, considerando-se Irmãos e não encontravam qualquer dificuldade em
expressar seus sentimentos de fraternidade.
Na verdade, esta experiência mudou meus pontos de vista com relação a
alguns protocolos de reconhecimento ou compartilhamento de território. Francamente, eu considero todos os Maçons do
Brasil sob essas três “formas” como regulares.”
Querem
desmentido maior às tolices que tentam nos impingir? O término da mensagem dele é tocante, pungente, mesmo. Uma mensagem da mais absoluta fraternidade de
um Maçom Universal aos Maçons Brasileiros: “É
agora minha opinião que, para a Maçonaria Brasileira alcançar seu potencial
maior, ela necessitará da vontade mútua de compartilhar seu território e/ou do
reconhecimento mútuo entre todos. Muitos de vocês ouviram-me expressar meu
sonho de ver toda Maçonaria regular trabalhando em uníssono como Irmãos. Tenho concentrado muitos dos meus esforços
nos últimos 35 anos neste sentido. Há muitos membros do Grande Oriente do
Brasil (GOB), das Grandes Lojas
Estaduais (CMSB) e dos Grandes
Orientes Independentes (COMAB) –
mesmo que minha Grande Loja não os reconheça – que tenho orgulho de chamá-los
de meus Amigos e meus Irmãos. Espero
viver o bastante para ver o dia em que todos os Maçons do Brasil façam o
mesmo.”
Pois
é, dois Altos Dignitários olham para nós e veem o que muitos de nossos
dirigentes não veem, que só teremos a ganhar com a união, não com a unificação
absolutamente ultrapassada. Os Maçons
Brasileiros, duramente atingidos e afligidos pelas pranchas hostis e
segregadoras, sem nenhum amparo da Maçonaria Universal, também esperam maior
altruísmo de seus dirigentes. Os
Grão-Mestres brasileiros presentes à reunião da CMI em Madrid, neste ano
de 2015, poderiam inspirar-se no exemplo deles dois dignitários e emular sua visão,
grandeza e espírito maçônico.
Os
Maçons Brasileiros desejam vê-los superar picuinhas eventuais, divergências
locais e diferenças pessoais. Maçonaria
é mais do que o quintal da casa e jamais escrava de ambições desmedidas. Xenofobia
de Maçons brasileiros contra Maçons brasileiros é simplesmente ridícula e
absurda.
PS
– Seguem anexos os textos originais e as traduções das
duas cartas e os Oito Pontos de
Regularidade da United Grand Lodge of England.
Colaboração
do Respeitabilíssimo Irmão Ward Gusmão, Sereníssimo Grão-Mestre do Grande
Oriente Independente do Rio de Janeiro (GOIRJ) e ex-presidente da Confederação
Maçônica do Brasil (COMAB).
Um comentário:
Excelente texto!
Postar um comentário