domingo, 1 de outubro de 2017

O POSITIVISMO E SUA INFLUÊNCIA NOS IDEAIS MAÇÔNICOS

Arthur Aveline*

O Positivismo proclama os ideais da República Moderna: Liberdade, Paz e Fraternidade. É também chamado de Religião da Humanidade, por ter a doutrina Humanista como sua principal inspiração. Comte entendia que as Escolas filosóficas de Diderot e Hume, que verdadeiramente caracterizaram o Século XVIII, por serem inovadoras e independentes nos campos religioso e político, seriam as únicas que abraçariam integralmente a doutrina Positiva, que fundamenta o futuro com base no passado, firmando dessa forma as bases da regeneração Ocidental. Hume foi considerado por Comte seu principal precursor filosófico, juntamente com Kant, cuja concepção fundamental foi sistematizada e desenvolvida pelo Positivismo. A Filosofia de Kant, segundo Comte, ligava o Positivismo aos três pais da Filosofia Moderna, Bacon, Descartes e Leibniz. De acordo ainda com Comte, desde o Império Romano que as populações da elite procuravam em vão a religião universal. Comte afirmou que essa Religião Universal — também referendada no artigo 1º da Constituição de Anderson, promulgada pelos maçons da Grande Loja de Londres em 1723 —, não poderia ser alcançada através de nenhuma crença sobrenatural, já que dois monoteísmos incompatíveis aspiravam igualmente essa universalidade. Os esforços opostos de um e outro (judaico-cristãos e mulçumanos) apenas conseguem neutralizar-se mutuamente, fazendo com que semelhante atributo ficasse reservado às doutrinas demonstráveis e discutíveis. Augusto Comte defendia que o Oriente e o Ocidente deveriam procurar fora de toda teologia ou metafísica as bases sistemáticas de uma comunhão intelectual e moral. Essa fusão, para poder estender-se, lenta e gradualmente, à integralidade da Humanidade, deveria ter sua origem em uma doutrina caracterizada pela combinação da realidade com a utilidade.
Os maçons que criaram a Grande Loja de Londres, em 1717, estavam imbuídos desse mesmo espírito universalista de Comte, e o artigo 1º da Constituição original da Grande Loja de Londres reflete perfeitamente esse pensamento. Este artigo é de fundamental importância, pois, além de trazer em seu bojo uma definição concreta e clara do que é ser um Maçom Especulativo, ele nos diz que o pensamento liberal dominava, senão todos, pelo menos a maioria dos fundadores da Grande Loja de Londres. Esses fundadores constituíam obviamente as lideranças de suas lojas, donde se conclui ser esse o pensamento dominante entre os Obreiros das primeiras e legítimas Lojas de Maçons Especulativos.
Transcrevemos a seguir o texto integral do artigo, mantida a tradução o mais próximo possível do sentido original: “Um Maçom é obrigado, por dever de ofício, a obedecer a lei moral; e se entende corretamente a Arte, ele nunca será um Ateu estúpido nem um Libertino irreligioso, Mas embora, nos tempos antigos, os Maçons tivessem sido obrigados, em cada país, a ser da religião desse país ou dessa nação, qualquer que ela fosse, agora se considera mais adequado obrigá-los somente àquela religião com a qual todos os homens concordam, guardando as suas próprias opiniões para si mesmos; isto é, ser um homem bom e leal ou um homem de honra e de honestidade, quaisquer que sejam as denominações ou crenças que os distingam; em razão disso a Maçonaria tornar-se-á o Centro de União e o meio de conciliar verdadeira amizade entre pessoas que teriam ficado em perpétua distância.”
O artigo reflete um surpreendente e inédito espírito Positivo, afastando as concepções metafísicas individuais, na busca por uma religião “que todos os homens concordam”. Nesse sentido, a Maçonaria prega enfaticamente que a religião oficial e pública da Humanidade deve manter-se nos limites da religião natural, indicados pelas verdades básicas, pacificamente aceitas e comuns a todas as religiões, que são a necessidade de ser bom, sincero e honesto e de combater os crimes e evitar o mal.
Esses ideais humanistas, positivados na Constituição de Anderson e ajudados pela influência cada vez mais presente e marcante da então nova doutrina de Comte, que se espalhava cada vez mais pela França e pelo mundo, mostram-se cada vez mais enraizados na doutrina maçônica, resultando na solene declaração feita por 700 delegados maçons do mundo inteiro por ocasião do anti-concílio de Nápoles, ocorrido em 1870, segundo a qual “o homem deve dirigir seus atos e sua vida exclusivamente de acordo com o parecer de sua própria Razão. A Maçonaria não reconhece outras verdades além das fundadas na Razão e na Ciência e combate, servindo-se somente dos resultados obtidos pela ciência, as superstições e os preconceitos sobre os quais baseiam as igrejas a sua autoridade”. Mais adiante, no mesmo documento, fica expresso que “a Maçonaria reconhece e proclama a liberdade de consciência e o exame livre. Considera a ciência como única base de qualquer crença e conseqüentemente repele todo dogma fundado sobre qualquer revelação”. O mesmo documento, plenamente de acordo com a doutrina de Comte, reivindica “a instrução para todos, gratuita e obrigatória, exclusivamente leiga e neutra em questões religiosas, absolutamente afastada do domínio clerical”. O mesmo anti-concílio proclamou, ainda, que “a mulher deve ser libertada dos laços que a igreja e a legislação opõem ao seu pleno desenvolvimento” e ainda a “necessidade de abolir toda e qualquer igreja oficial, devendo a sociedade, e mormente o Estado, manterem-se oficialmente indiferentes ou neutros perante qualquer religião concreta”. Defendendo que o Estado e os poderes públicos se desvinculem das religiões, podendo legislar sem as levar em conta, livre de toda e qualquer influência clerical ou religiosa.
O Positivismo, por sua vez, entende que a Razão e a Ciência, sozinhas, são frias e afastadas dos sentimentos humanos. A Maçonaria Francesa, juntamente com o Positivismo, entendem que uma lei inexorável rege o Universo, segundo a qual a força bruta triunfa na luta incessante pela vida. Contudo, o Homem, por meio da Arte e da Ciência, progride pouco a pouco e acaba por elevar-se até uma concepção mais justa; deseja a elevação do fraco; sonha com a Fraternidade; compreende a Solidariedade e deseja o domínio da Justiça e da Igualdade. Por isso, apesar de ter a Ciência como dogma, o Positivismo tem a Arte como Culto. A Maçonaria Francesa, em total concordância com o Positivismo, prega que a Ciência, através de seus diversos ramos, dá ao Homem o conhecimento da natureza, mas esse conhecimento, sem as Artes, seria praticamente nulo, pois desprovido de emoção. As Artes são a expressão da emoção humana. Nesse ponto específico está a maior similaridade entre essas duas Escolas. A Arte, para ambas as Doutrinas, é um dos mais poderosos meios para a educação dos indivíduos e para o desenvolvimento da coletividade. Estudar as Artes é estudar a Humanidade, pois são o veículo mediante o qual se manifestam as Civilizações, inclusive as já desaparecidas. A Arte foi a primeira manifestação da inteligência humana. Ela dá ao Homem o sentimento e o desejo de ideal. É por meio da Arte que os Homens abrem o coração aos sentimentos mais nobres e generosos. A Arte é condição essencial ao progresso humano, com participação importante na educação das novas gerações.
Outro ponto em comum entre a Maçonaria Francesa e o Positivismo está no culto à memória dos nossos antepassados. A máxima Positivista de que “os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos” nos ensina que nossos antepassados estão sempre presentes em nossas ações do presente. Graças ao legado do passado e aos esforços do presente a Humanidade segue sua marcha rumo à realização do supremo ideal da Solidariedade. Ambas as correntes doutrinárias comungam desse culto aos Benfeitores da Humanidade. O Calendário Positivista, com seus 13 meses, contempla os grandes vultos da História que, com suas ideias e invenções, transformaram o mundo. A Maçonaria Francesa e o Positivismo pregam que os Benfeitores da Humanidade, artistas, filósofos, doutrinadores, inventores, cientistas e estadistas executaram a obra da Humanidade até o momento, e cabe a nós e a nossos descendentes e sucessores a sua progressiva continuação.
O lema Positivista, por fim, tem clara consonância com os três Graus Simbólicos da Maçonaria, que são de conteúdo Universal. No Grau de Aprendiz exalta-se a Fraternidade Humana (O Amor por princípio); no Grau de Companheiro proclama-se a organização humana, por meio do trabalho, na eterna luta contra o caos, na incessante luta pela vida (A Ordem por base). Finalmente, no Grau de Mestre, há a vitória do intelecto sobre a força bruta e o domínio da razão sobre o fanatismo (O Progresso por fim). Os três Graus Simbólicos foram sintetizados de forma brilhante e genial por Auguste Comte: “O Amor por princípio; a Ordem por base; e o Progresso por fim”.
Como se vê, são fortes e consistentes os inúmeros pontos concordantes entre a doutrina Positiva e os princípios defendidos pela Maçonaria Francesa.

* Mestre Maçom (Instalado) - GOB/RS.

Fonte: Grupo de whatsapp – Rito Moderno Brasil

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