Arthur
Aveline*
O
Positivismo proclama os ideais da República Moderna: Liberdade, Paz e
Fraternidade. É também chamado de Religião da Humanidade, por ter a doutrina
Humanista como sua principal inspiração. Comte entendia que as Escolas
filosóficas de Diderot e Hume, que verdadeiramente caracterizaram o Século
XVIII, por serem inovadoras e independentes nos campos religioso e político,
seriam as únicas que abraçariam integralmente a doutrina Positiva, que
fundamenta o futuro com base no passado, firmando dessa forma as bases da
regeneração Ocidental. Hume foi considerado por Comte seu principal precursor
filosófico, juntamente com Kant, cuja concepção fundamental foi sistematizada e
desenvolvida pelo Positivismo. A Filosofia de Kant, segundo Comte, ligava o
Positivismo aos três pais da Filosofia Moderna, Bacon, Descartes e Leibniz. De
acordo ainda com Comte, desde o Império Romano que as populações da elite
procuravam em vão a religião universal. Comte afirmou que essa Religião
Universal — também referendada no artigo 1º da Constituição de Anderson,
promulgada pelos maçons da Grande Loja de Londres em 1723 —, não poderia ser
alcançada através de nenhuma crença sobrenatural, já que dois monoteísmos
incompatíveis aspiravam igualmente essa universalidade. Os esforços opostos de um
e outro (judaico-cristãos e mulçumanos) apenas conseguem neutralizar-se
mutuamente, fazendo com que semelhante atributo ficasse reservado às doutrinas
demonstráveis e discutíveis. Augusto Comte defendia que o Oriente e o Ocidente
deveriam procurar fora de toda teologia ou metafísica as bases sistemáticas de
uma comunhão intelectual e moral. Essa fusão, para poder estender-se, lenta e
gradualmente, à integralidade da Humanidade, deveria ter sua origem em uma
doutrina caracterizada pela combinação da realidade com a utilidade.
Os
maçons que criaram a Grande Loja de Londres, em 1717, estavam imbuídos desse
mesmo espírito universalista de Comte, e o artigo 1º da Constituição original
da Grande Loja de Londres reflete perfeitamente esse pensamento. Este artigo é
de fundamental importância, pois, além de trazer em seu bojo uma definição
concreta e clara do que é ser um Maçom Especulativo, ele nos diz que o
pensamento liberal dominava, senão todos, pelo menos a maioria dos fundadores
da Grande Loja de Londres. Esses fundadores constituíam obviamente as
lideranças de suas lojas, donde se conclui ser esse o pensamento dominante
entre os Obreiros das primeiras e legítimas Lojas de Maçons Especulativos.
Transcrevemos
a seguir o texto integral do artigo, mantida a tradução o mais próximo possível
do sentido original: “Um Maçom é obrigado, por dever de ofício, a obedecer a
lei moral; e se entende corretamente a Arte, ele nunca será um Ateu estúpido
nem um Libertino irreligioso, Mas embora, nos tempos antigos, os Maçons
tivessem sido obrigados, em cada país, a ser da religião desse país ou dessa
nação, qualquer que ela fosse, agora se considera mais adequado obrigá-los
somente àquela religião com a qual todos os homens concordam, guardando as suas
próprias opiniões para si mesmos; isto é, ser um homem bom e leal ou um homem
de honra e de honestidade, quaisquer que sejam as denominações ou crenças que
os distingam; em razão disso a Maçonaria tornar-se-á o Centro de União e o meio
de conciliar verdadeira amizade entre pessoas que teriam ficado em perpétua
distância.”
O
artigo reflete um surpreendente e inédito espírito Positivo, afastando as
concepções metafísicas individuais, na busca por uma religião “que todos os
homens concordam”. Nesse sentido, a Maçonaria prega enfaticamente que a
religião oficial e pública da Humanidade deve manter-se nos limites da religião
natural, indicados pelas verdades básicas, pacificamente aceitas e comuns a
todas as religiões, que são a necessidade de ser bom, sincero e honesto e de
combater os crimes e evitar o mal.
Esses
ideais humanistas, positivados na Constituição de Anderson e ajudados pela
influência cada vez mais presente e marcante da então nova doutrina de Comte,
que se espalhava cada vez mais pela França e pelo mundo, mostram-se cada vez
mais enraizados na doutrina maçônica, resultando na solene declaração feita por
700 delegados maçons do mundo inteiro por ocasião do anti-concílio de Nápoles,
ocorrido em 1870, segundo a qual “o homem deve dirigir seus atos e sua vida
exclusivamente de acordo com o parecer de sua própria Razão. A Maçonaria não
reconhece outras verdades além das fundadas na Razão e na Ciência e combate,
servindo-se somente dos resultados obtidos pela ciência, as superstições e os
preconceitos sobre os quais baseiam as igrejas a sua autoridade”. Mais adiante,
no mesmo documento, fica expresso que “a Maçonaria reconhece e proclama a
liberdade de consciência e o exame livre. Considera a ciência como única base
de qualquer crença e conseqüentemente repele todo dogma fundado sobre qualquer
revelação”. O mesmo documento, plenamente de acordo com a doutrina de Comte,
reivindica “a instrução para todos, gratuita e obrigatória, exclusivamente
leiga e neutra em questões religiosas, absolutamente afastada do domínio
clerical”. O mesmo anti-concílio proclamou, ainda, que “a mulher deve ser
libertada dos laços que a igreja e a legislação opõem ao seu pleno
desenvolvimento” e ainda a “necessidade de abolir toda e qualquer igreja
oficial, devendo a sociedade, e mormente o Estado, manterem-se oficialmente
indiferentes ou neutros perante qualquer religião concreta”. Defendendo que o
Estado e os poderes públicos se desvinculem das religiões, podendo legislar sem
as levar em conta, livre de toda e qualquer influência clerical ou religiosa.
O
Positivismo, por sua vez, entende que a Razão e a Ciência, sozinhas, são frias
e afastadas dos sentimentos humanos. A Maçonaria Francesa, juntamente com o
Positivismo, entendem que uma lei inexorável rege o Universo, segundo a qual a
força bruta triunfa na luta incessante pela vida. Contudo, o Homem, por meio da
Arte e da Ciência, progride pouco a pouco e acaba por elevar-se até uma
concepção mais justa; deseja a elevação do fraco; sonha com a Fraternidade;
compreende a Solidariedade e deseja o domínio da Justiça e da Igualdade. Por
isso, apesar de ter a Ciência como dogma, o Positivismo tem a Arte como Culto.
A Maçonaria Francesa, em total concordância com o Positivismo, prega que a
Ciência, através de seus diversos ramos, dá ao Homem o conhecimento da
natureza, mas esse conhecimento, sem as Artes, seria praticamente nulo, pois
desprovido de emoção. As Artes são a expressão da emoção humana. Nesse ponto
específico está a maior similaridade entre essas duas Escolas. A Arte, para
ambas as Doutrinas, é um dos mais poderosos meios para a educação dos
indivíduos e para o desenvolvimento da coletividade. Estudar as Artes é estudar
a Humanidade, pois são o veículo mediante o qual se manifestam as Civilizações,
inclusive as já desaparecidas. A Arte foi a primeira manifestação da
inteligência humana. Ela dá ao Homem o sentimento e o desejo de ideal. É por
meio da Arte que os Homens abrem o coração aos sentimentos mais nobres e
generosos. A Arte é condição essencial ao progresso humano, com participação
importante na educação das novas gerações.
Outro
ponto em comum entre a Maçonaria Francesa e o Positivismo está no culto à
memória dos nossos antepassados. A máxima Positivista de que “os vivos são
sempre e cada vez mais governados pelos mortos” nos ensina que nossos
antepassados estão sempre presentes em nossas ações do presente. Graças ao
legado do passado e aos esforços do presente a Humanidade segue sua marcha rumo
à realização do supremo ideal da Solidariedade. Ambas as correntes doutrinárias
comungam desse culto aos Benfeitores da Humanidade. O Calendário Positivista,
com seus 13 meses, contempla os grandes vultos da História que, com suas ideias
e invenções, transformaram o mundo. A Maçonaria Francesa e o Positivismo pregam
que os Benfeitores da Humanidade, artistas, filósofos, doutrinadores,
inventores, cientistas e estadistas executaram a obra da Humanidade até o
momento, e cabe a nós e a nossos descendentes e sucessores a sua progressiva
continuação.
O
lema Positivista, por fim, tem clara consonância com os três Graus Simbólicos
da Maçonaria, que são de conteúdo Universal. No Grau de Aprendiz exalta-se a
Fraternidade Humana (O Amor por princípio); no Grau de Companheiro proclama-se
a organização humana, por meio do trabalho, na eterna luta contra o caos, na
incessante luta pela vida (A Ordem por base). Finalmente, no Grau de Mestre, há
a vitória do intelecto sobre a força bruta e o domínio da razão sobre o
fanatismo (O Progresso por fim). Os três Graus Simbólicos foram sintetizados de
forma brilhante e genial por Auguste Comte: “O Amor por princípio; a Ordem por
base; e o Progresso por fim”.
Como
se vê, são fortes e consistentes os inúmeros pontos concordantes entre a
doutrina Positiva e os princípios defendidos pela Maçonaria Francesa.
* Mestre
Maçom (Instalado) - GOB/RS.
Fonte:
Grupo de whatsapp – Rito Moderno Brasil
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